quarta-feira, 29 de junho de 2011

POEMAS

Uma Filosofia Toda

As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as cousas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa,
Pretende que elas são mais do que parecem ser.
Algumas mal se vêem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer cousa se aligeira em nós
E aceita tudo mais nitidamente.

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXV"
Heterónimo de Fernando Pessoa


As Minhas Rosas
 
Sim! a minha ventura quer dar felicidade;
Não é isso que deseja toda a ventura?
Quereis colher as minhas rosas?
Baixai-vos então, escondei-vos,
Entre as rochas e os espinheiros,
E chupai muitas vezes os dedos.
Porque a minha ventura é maligna,
Porque a minha ventura é pérfida.
Quereis apanhar as minhas rosas?

Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"

É Preciso Também não Ter Filosofia Nenhuma
 
Não basta abrir a janela 
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa

Nenhum comentário:

Postar um comentário